Não era necessariamente uma questão de coragem subir ao palco e deixar a música falar todas as palavras. Não, não era. Era pura e simplesmente uma questão de conhecimento. Entre passos falsos e certos aquela foi a vida que escolhera para si, e mesmo que o ouvissem reclamar de como tinha uma carreira promissória como Wide Receive na Texas Tech, ele não se arrependia de ter largado faculdade e qualquer outra coisa pela música.

A música está viva. Uma vez que você suba num palco, seja num galpão ou num festival, ela vai imediatamente cercar seu pescoço com suas presas. No entanto, não há nada para se temer. Não há motivo para resistir, você só precisa senti-la percorrendo cada parte ínfima do seu ser. Deixar extravasar deliberadamente aquela sensação de conexão profunda entre corpo e alma. Você só precisa permitir que seus dedos dedilhem o violão e que a voz ecoe de sua boca tal como o cantar dos pássaros ou o bater de asas da águia.

Entre um gole ou outro algo crescia no peito de Corey. Uma vontade pulsante que inflava seu coração. Fosse o discurso do velho, fosse a atmosfera do Blue Bird ou ainda as memoráveis apresentações que ocorreram. O mundo poderia ser o palco para todo artistas, mas o Blue Bird carregava uma aura invejável assim como o Gran Ole Opry. Imaginar todos que subiram ali, que cantaram ali e agitaram a plateia era como um afago do passado junto do abraço apertado do futuro.

Olhou em volta. Não conhecia rostos ali, mas tinha certeza quem era a Margaret Powell. Formava-se diante de seus olhos uma grande oportunidade capaz de injetar ambição no mais humilde dos músicos. Respirou fundo, controlou-se. Estava na estrada há muito tempo. Algumas vezes andando, outras pegando carona. Quase nunca cantou por ambição própria, sua ética própria o impedia de fazê-lo. Se fosse bom, se trabalhasse duro, se acreditasse em si mesmo as oportunidades surgiriam, as pessoas iriam cerca-lo. A música iria unir.

– Boa noite Nashville, vou economizar com as palavras porque nunca fui bom improvisando. – falou enquanto mudava a afinação do violão. – É um enorme prazer tocar aqui e para todos vocês, espero que gostem tanto quanto eu.

Resumiu rapidamente qualquer discurso longo que pudesse fazer. Com o violão em mãos e tendo negado educadamente a ajuda da banda ele conferiu rapidamente algumas notas aleatórias. Estava tudo certo e preparado.

Algumas pessoas voltavam seus olhos para o palco, outras estavam ocupadas demais em suas conversas e flertes. Já tinha tocado para públicos grandes e pequenos, interessados e completamente alheios. Cada experiência teve seus frutos, nenhuma nunca lhe foi inútil. No fim, a música era Scarecrows, e o músico era Dak Prescott.


O dedilhado suave acompanhava a voz terna que vinha dele. Por alguns momentos, os breves instantes que fechava os olhos e parecia se desconectar de tudo a sua volta. Enxergava nada além do chapéu e do violão. Uma memória bem agradável de cenas aconchegantes de quem veio de uma cidade pequena, onde o chão é de barro e a temporada de caça é comemorada com farra. Um velho e um violão, um garoto e uma guitarra. Mudanças e mais mudanças num ciclo natural da vida, universo e tudo mais. Ele seguiu.


O ritmo suave prosseguiu, um pouco mais intensificado que o dedilhado de antes, mas nada além do que a canção pedia. Era uma música lenta, nostálgica e até recente. Não ganhou clipe, nem single tal como outras do único cowboy que já dividiu o palco com Jason Derulo. Apesar de amplamente questionável, o resultado não foi ruim. Country é um ritmo tão congruente e agregador quanto qualquer outro, com suas limitações é claro, mas nada que não seja contornável nas mãos de um bom artista.

Corey não saltitava de um canto do palco para o outro. Procurava conectar-se com a música da melhor forma que podia. Ora passava os olhos pelo BlueBird e sentia um leve arrepio percorrer a ponta de seus dedos até a base da coluna. Excitação misturada com adrenalina. Coração batendo forte como um tambor dentro de seu peito. Provavelmente iria se sentir daquela forma mesmo depois de velho, quando os cabelos brancos tomassem a cabeleira loira.


Campos e plantações. Pomares e currais. A paisagem preenchida pela natureza e suas composições particulares. Ao fundo a imagem do modesto espantalho com olhos de botão e camisa xadrez. Um tímido sorriso desenhado em tinta barata por algum projeto de caipira. Fogueiras abaixo do céu limpo e estrelado, a brisa refrescante da primavera que tomava o lugar do vento cortante e uivante do inverno passado. Esse era o significado, mudanças e vidas, todas girando em torno daquele pequeno e humilde nicho.

Arriscou uma alternância de tom ao fim da estrofe, mas não saiu da voz de peito. Sua voz ligeiramente rouca, áspera, apesar de suave quando necessário não dava muita facilidade para atingir notas altas. O falsete era totalmente dispensável, não queria se estrangular e sentir que levara um chute nas bolas, como descrito por Blake Shelton quan colaborou em Christina Aguilera.


Fechou os olhos, aproximou-se mais do microfone sobre o tripé de ferro. Sentiu o peito aquecer-se e uma leveza quase indescritível. Era a sensação viciante que algumas músicas traziam. O sotaque carregado, e muito pouco dissipado, dava um ar diferenciado do falatório modesto do cantor original. Usou de alguns melismas na extensão das quebras de ritmo. Não enfeitou demais, não precisava.


Repetiu o refrão e foi abaixando o tom. Aos poucos a palhetada mudou para o dedilhado, e o dedilhado mudou para o silêncio. Ajeitou o boné um tanto quanto surrado e voltou a colocar o violão no local onde estava. Não saiu do palco sem antes agradecer com uma leve reverência acompanhada de um tímido sorriso.

Apenas procurou pela próxima cerveja, originada da vontade gritante da garganta sentir a cevada escorrer. Carregava o confortante sentimento de dever cumprido.

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