Louise apoiou-se sobre o corpo adormecido de Liam na cama do hotel, depositando sobre sua cabeça um beijo de boa noite. Estava a ponto de desistir da ideia de ir ao Bluebird Café, a vontade de abraçar e fazer o filho adormecer enquanto lhe contava uma história de ninar era mais do que tentadora.

Ouviu o som da porta do quarto se entreabrir mais e sua assistente sussurrar que o táxi já estava a sua espera. Virou-se para a mais nova e acenou em entendimento ao recado, voltando a acariciar os fios castanhos do garotinho que começava a se entregar ao sono.

— Eu amo você. — Disse baixinho em tom de segredo, logo se retirando do recinto.
...
— Não tardarei em regressar, me ligue qualquer coisa. Tenha uma boa noite, Betty. — Sorriu com doçura para a senhora que estava responsável por seu filho naquela noite. Ainda que apertasse seu peito a sensação de deixa-lo para trás, não poderia deixar de fazer seu retorno à Nashville de forma menos marcante do que o seu comparecimento do evento daquela noite.

— Certo, vamos. — Indicou para a assistente que estava alguns passos em sua frente chamando o elevador.

No espelho no interior do elevador, Louise observava o reflexo seu. Finalmente havia chego o dia de sua volta para a terra natal, estaria logo circulando pelos lugares que lhe eram tão familiares, o som, a música e a movimentação da Brodway. Mas hoje seu destino era outro.

Ajeitou o chapéu sobre sua cabeça, guardando o celular no bolso após enviar um sms para Natasha. Uma das poucas pessoas com quem havia mantido contato desde sua partida para Nova Iorque, o que fazia do retorno incerto de Louise e seu filho para Nashville não ser segredo algum para a loura. O reencontro já era esperado

A mulher que a encarava no espelho não era a ingênua mocinha que havia partido daquela cidade sem sequer olhar para trás seis anos antes. Teve sua atenção chamada pela outra jovem ao seu lado, a assistente pessoal lhe indicava o caminho para o exterior da recepção do hotel.

...
Não era novidade alguma que seria grande a circulação de pessoas pelos arredores do bar, como ocorria em toda a região. Enlaçou seu braço esquerdo ao de Jennifer, sua assistente, e prosseguiu a pé mesmo a curta distância do caminho onde o táxi havia as deixado minutos antes.

— Você vai adorar o Bluebird! Tem uma das melhores cervejas da cidade! – Certa animação começava a contagiar a nova dona do Wildhorse e as luzes de neon do lugar faziam crescer em si tal sentimento.

Louise apenas esperava que tal sentimento não se dispersasse tão brevemente, já que mantinha todos os pensamentos e sentimentos acerca do passado bem longe dos planos seus para aquela noite.  

— Amanhã iremos passear pela Brodway, você vai amar e veremos como está o bar. — A festa de abertura da temporada era sempre animada e Louise amava o modo como as pessoas se vestiam, as músicas e a cerveja gelada. Checou uma última vez se sua beca era adequada, o que fazia indispensável o uso de suas botas favoritas. Era sua primeira aparição na comunidade depois de tantos anos chamando outra cidade de casa.

E foi então que o primeiro pensamento negativo lhe ocorreu, estava ciente de que muitos dos que encontraria naquela noite eram pessoas que fizeram parte de seu passado, velhos amigos seus e de sua família. Espantou o lembrete de toda uma vida regressa ao ser atingida pelo falatório e os flashes de alguns fotógrafos na entrada do estabelecimento.

Ajeitou a camisa de flanela azul, confiante de que passaria despercebida entre a pequena multidão que se amontoava por ali. Estar tanto tempo distante de sua cidade natal tinha lá suas vantagens, e poder se infiltrar entre os outros com facilidade era uma delas.

— A reserva foi feita umas semanas atrás, então teremos uma mesa. — Jennifer informou a chefe e já começava a arrastar para dentro do lugar, em busca da mesa. E Louise seria capaz de dar um aumento para a funcionária se não lembrasse que ser um dos melhores lugares de Nashville tinha lá suas dificuldades em conseguir uma boa mesa se não fosse feita reserva antecipada.

— Animada por hoje? — A jovem Vorhees observava o cardápio sobre a mesa como se estivesse diante de um bom amigo, já que não era sua primeira vez no lugar. As mesas estavam praticamente todas ocupadas e o bar já era um dos lugares mais disputados. Não demorou para que reconhecesse um rosto ou outro entre as pessoas.

Por sorte nenhum lhe causava arrependimento de estar ali, não por hora. Nenhum era ele. — Quem será a nova estrela a ser descoberta hoje? — Desconversou antes que a morena a seu lado notasse a expressão de pura ansiedade que Louise tentava esconder. Não parecia ser a única com o pensamento da possibilidade de novos artistas surgirem, já que era fácil reconhecer alguns nomes importantes da música em outras mesas e a fazerem notar sua presença por ali.

O celular moveu-se entre seus dedos deixando claro seu nervosismo, enquanto a morena encontrava-se com os pensamentos a milhas de distância. Mas quando escutou o inicio de Whiskey Lullaby foi o estopim para que se abrisse o baú de velhas memórias, e na parte em que a canção se encaixava em seu passado, Louise já não conseguia manter o controle sequer sobre sua respiração.

Se recompor era primordial para que conseguisse prosseguir o restante da noite sem mais abalos emocionais. Mas só uma canção não bastaria. Mas não há nada tão ruim que não possa ficar pior.

Ouviu seu nome ser citado por Bill, sentindo crescer em si a vontade de chorar que tanto reprimia. Há quanto tempo não era chamada apenas pelo seu sobrenome de solteira? Mas nem as lembranças a fizeram fraquejar. Para qualquer efeito as lágrimas poderiam ser de saudade. O conhecia desde que se conhecia por gente, assim como Mary e até mesmo a temida Margaret. Com perfeição poderia se recordar dos apertões de bochecha recebidos de Mary nas visitas à sua avó.

O sorriso nostálgico lhe fez querer correr aos braços do velho caubói. Bill era como um pai, e no que poderia se lembrar, o bigode dele sempre esteve lá para lhe fazer rir desde que era uma menininha. Na época das festas de Natal era fácil reconhecer quando ele era o escolhido para se vestir de Papai Noel. Ela sempre o descobria.

Acenou de longe para ele, erguendo o copo de bebida que recém havia sido colocado sobre a mesa, um brinde pelo discurso acolhedor e mais que bem-vindo. Sorriu em cumprimento ao saber que finalmente estava de volta ao lar, sua casa.

Assim como fez para Sam, reconhecendo o velho amigo de outras épocas e que por sinal estava muito bem acompanhado. Quem diria que fosse encontrar alguém de Nashville perdido em Nova Iorque, devia ao amigo os bons conselhos recebidos. Qualquer tentativa de passar despercebida entre os rostos naquela noite falharam miseravelmente, mas não poderia se queixar de estar entre sua família novamente.

A quantidade de bebida em seu copo diminuiu drasticamente, mas nada que lhe fizesse ficar alterada. E ainda que algo lhe fizesse pensar que as bebidas no Sul fossem mais fortes, devia manter o controle sobre suas ações.

Como um aviso do destino, o smartphone sobre a mesa exibiu a imagem do par de olhos azuis que tanto amava, porém não ficou apenas a admirar a imagem de seu filho, e capturou o aparelho, em vão tentando atender a ligação.

O som ambiente cresceu de forma rápida e resolveu que o melhor era se retirar. Indicou para sua acompanhante o que pretendia e recebeu em resposta uma risada animada, enquanto tentava decifrar o que Liam resmungava do outro lado da linha. Mas talvez fosse a ansiedade em tentar descobrir o motivo da ligação e o efeito do álcool, mas algo não estava certo. Não poderia estar vendo ele ali no balcão. Poderia?

Desde que recebera a noticia de que deveria voltar para Nashville, Louise estava mais do que ciente de que em algum momento o encontraria, um esbarrão seria inevitável. O que não esperava era revê-lo justamente em sua primeira noite. Porém seria tolice não imaginar que ele estaria presente na abertura da temporada do Bluebird, já havia perdido inúmeras partidas para ele naquelas mesas de sinuca. E tinha que admitir, ele ficava ainda mais bonito de barba. Se as circunstancias fossem outras ela lhe daria um sorriso e talvez até se aproximasse.

Ela escutava distante a voz de Liam que insistia em teimar de não ir para a cama. De certo que o repreenderia por isso, mas naquele momento mal conseguia se mover. E naquele momento poderia estar iniciando uma linda história de amor, de uma garota que encontra seu caubói do outro lado do bar e os dois se apaixonam, vivendo feliz para sempre, etcetera, etcetera. Mas não. A história dos dois já havia acontecido seis anos atrás e o desenrolar não parecia muito promissor no presente.

Louise daria tudo para saber o que se passava na mente dele naquele segundo. Choque? Muito provavelmente, mas sabia que haveria ódio, raiva e desprezo. O que era completamente plausível da parte dele, mas a morena não conseguiria lidar com isso no momento.

Nem todo o tempo longe foi capaz de prepara-la para o confronto. Quando recobriu a consciência, resolveu que de uma vez por todas deveria seguir parar fora do Café. Tinha três motivos para isso: atender a ligação de Liam, respirar um pouco e fingir que a visão anterior não passava de alucinação de sua mente.

E o melhor a se fazer era acreditar que não havia visto ele. Outra vez decidiu virar as costas para Shadow, mas desta vez não era uma fuga para longe, não ao menos fisicamente. Se retirar era a melhor opção para escapar do passado que demonstrava tê-la reconhecido também.

Atravessou a pequena aglomeração de pessoas na porta do bar, e os passos apressados a levavam em direção ao estacionamento lotado. Duas coisas já poderiam ser riscadas de sua lista, respirar ar fresco e confrontar o filho e seus resmungos. Era bom demais para ser verdade acreditar que ele já havia adormecido antes que ela saísse do hotel. Não queria sequer pensar no terceiro item.

— Liam! O que havíamos combinado? — Tentar entrar em um acordo com o garoto parecia mais impossível do que ela havia previsto. Isso definitivamente era algo que ele havia puxado do pai, incrível como por vezes ela se via discutindo com uma versão em miniatura do ex. O problema era encontrar nas semelhanças algo bom.

— Ficarei apenas mais um pouco e logo volto. Ok? — Em que momento os papéis haviam se invertido? Era ela quem devia explicações a ele pelo jeito. Havia um misto de urgência e manha na voz de Liam que rapidamente quebraram a ideia de permanecer até o final da primeira apresentação.

— Tudo bem, estou indo. Eu amo você, meu príncipe. — E o que havia se iniciado com indícios de que seria um sermão logo se convertia a uma mãe toda derretida por seu filho e incrivelmente ansiosa para que o evento findasse o quanto antes. Não havia melhor calmante do que os abraços de urso que recebia dele.

Quando a chamada chegou ao fim, ela ainda não se movia em nenhuma direção. Voltar para o interior do bar era ter a certeza de que encontraria com o ex uma vez mais e não havia garrafa de whisky que a ajudasse nisso. Ok, era só respirar fundo e tentar não pensar nisso. Parecia tão fácil na teoria. Encontrá-lo outra vez não lhe faria bem, não tinha estrutura para esse acontecimento.