Quando ouvi as primeiras palavras da loira, lembrei de como meu pai dizia que ela conseguia tirá-lo do sério e ainda assim amava o jeito "difícil de lidar" da sua marrentinha. Eu poderia passar a ajudá-la com aquela tarefa, seria até engraçado, desde que ele não acabasse brigando comigo nem me deixasse de castigo - coisas que até hoje não aconteceram nem uma vezinha. Também me perguntei com que frequência os dois faziam as tais guerras de cócegas, pois elas pareciam ser divertidíssimas e agora eu já sabia de que lado estaria. — Aaaah, com certeza! — Exclamei, com os olhos quase brilhando ao ver o muffin de blueberry e sentir o cheirinho adocicado da fruta. Ela não precisaria pedir duas vezes. — Desculpa pai, mas agora eu e a Rory somos um time. E olha seu tamanho, só assim para ser justo. — Peguei o doce e, sem cerimônias, dei uma bela mordida.

— Gostei da ideia, eu quero. — O entorno da minha boca estava todo sujo com os farelos de muffin, e quando meu pai concordou com a ideia não pude segurar o riso. — É Operação Big Hero, pai. Aquele do menino e do robô branco grandão, que usa uma armadura laranjada com asas quando vai lutar contra os vilões. — Expliquei, gesticulando com as mãos sem muito sentido e achando que aquilo de alguma forma o ajudaria no entendimento.

Adentrei o jipe e arrumei meus cabelos que o tatuado sempre fazia questão de espalhar, colocando o cinto como foi pedido. Passei quase todo o caminho admirando pela janela o ambiente que passávamos, tentando - sem sucesso algum - memorizá-lo para o caso de precisar um dia. De repente a voz do meu pai me trouxe de volta do mundo da lua, me perguntando como tinha sido o meu primeiro dia de aula. — Ah, foi bem legal. Conheci um monte de gente e fiquei muito amigo de uma menina bem legal e engraçada. O nome dela é Leslie e ela tem cabelos loiros iguais aos da Rory, só que mais curtos. — Comecei, demonstrando enorme empolgação conforme contava. — Eu dividi bolo com ela e depois ela me mostrou a escola. Também iríamos apostar corrida até o portão, mas o Sr. Flinch apareceu bem na hora. — Pensei em o que mais poderia contar que seria interessante. — Ah, só a aula de matemática que eu não gostei. A matéria é chata e o Sr. Nariz de coxinha é mais ainda. — Ri sozinho do apelido que Leslie tinha dado a ele, nem lembrando do nome de verdade do homem. Bem, ninguém mandou ter um nariz daquele tamanho.

— Ah e pode deixar, eu não fui muito com a cara dos meninos que devem ser os valentões. Sem falar que eles parecem ter medo da Leslie, é engraçado. — Papai ouviu e logo começou a falar algumas coisas a respeito do bar com Rory, as quais nem me dei ao trabalho de prestar a atenção. Em pouco tempo chegamos ao que parecia uma espécie de lanchonete, e eu não conseguia fazer aquele terrível cinto se soltar. Por que é que inventaram um treco desses? Vendo minha dificuldade, meu pai se ofereceu para ajudar e soltou-o como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Provavelmente porque ele era forte.

— Eu vou querer hambúrguer e batata frita. — Revelei antes mesmo de entrarmos no estabelecimento, acompanhando os dois para o que parecia ser um almoço em família. Será que as pessoas pensariam que Rory é a minha mãe?

Uma gargalhada gostosa escapou por meus lábios quando Rory me perguntou se seu rosto estava sujo, alegando não saber comer muffins sem se sujar. Tínhamos tanto em comum. — Não, não... acho que já saiu tudo. — Disse logo que me recompus, mantendo um alegre sorriso no rosto.

O cheiro daquele lugar era tão bom ao ponto de me dar água na boca e fazer com que minha barriga roncasse, mesmo tendo lanchado na escola. Alternei o olhar entre Rory, meu pais e as pessoas que estavam na lanchonete perto de nós. Era engraçado, algumas delas usavam chapéu de cowboy. Será que eram vaqueiros tipo o Woody de Toy Story?

Me distraí por um tempo naqueles pensamentos, e quando percebi a garçonete já estava ali para anotar nossos pedidos. — Oi. — Sorri para ela, ouvindo meu pai me apresentar para ela - que pareceu surpresa. — Angeline... que nome diferente. Eu gostei. — Pensei alto, sequer me dando conta disso. Bem, de qualquer forma não me importaria que ela me ouvisse. Era um elogio.

A moça anotou tudo e logo saiu, e enquanto isso eu me perguntava o que seria "o de sempre" que os dois pediram. Estava curioso e ansioso para descobrir. — Meus amigos lá de Rochester também ficariam assim se eu contasse pra eles que conheci meu pai. — Ri baixo, brincando com o cardápio. — E que garota? — Perguntei, inclinando a cabeça um pouco para o lado. Não tinha entendido a ironia bem direta para Rory nas palavras do maior, e automaticamente pensei em alguém puxando os cabelos dele. Mas por que alguém puxaria os cabelos de outra pessoa apenas por ter um filho? Seria uma amiga ciumenta do papai?

Com a língua fiquei balançando um de meus dentes que estava um pouco more, até por fim abrir a boca e comecei a balançá-lo com os dedos indicador e polegar direito. — Meu dente tá mole. — Falei todo enrolado por estar com a mão na boca, mostrando a ele e para Rory o quão incrível era aquilo. Esperava que caísse logo para eu poder colocar debaixo do travesseiro para a fada do dente me dar uma moeda.

Tirei os dedos da boca e limpei a baba que tinha sobre eles em minha camisa, ouvindo a pergunta a respeito de ter ligado para a mamãe ontem. — Liguei sim, e ela disse que estava com saudades. Também disse que já tinha começado a melhorar por causa do novo tratamento que começou, mas que ainda tava no começo. — Eu demonstrava bastante alegria ao contar aquilo, pois de fato era muito animador saber que ela estava melhorando. Sabia que logo não estaria mais doentinha. — Quando eu vou poder visitar ela, a vovó e o vovô? — Indaguei, olhando-o fixamente enquanto balançava as pernas que não tocavam o chão - tomando cuidado para não bater os calcanhares no sofá.

Voltei a olhar para Rory, sorridente e de certa forma eufórico. Não sabia o porquê, mas algo nela transmitia uma sensação boa. Um carisma natural ou algo parecido. — Uhum. Nós três, mas nas guerras de cócegas seremos eu e a Rory contra você. — Ri descontraidamente, mostrando os dentes e tudo. — Ah, Rory... como é trabalhar no bar do papai? Ele grita bastante lá? Porque no primeiro dia que cheguei lá em casa ele já me disse para não me assustar com os gritos que as vezes dá no escritório. E é verdade.— Então me inclinei e cobri a boca, falando baixinho para ela como se estivesse contando um segredo. — Ele grita até uns palavrões feios as vezes.