[Rp Fechada] I Write Sins Not Delusional Folks

Os médicos diziam que era bom tomar sol de vez em quando, por isso Jordan quase nunca o fazia.

No entanto, quando um interno começava a demonstrar sinais de palidez ou adquirir uma aparência que não demonstrasse a "saúde aceitável para os padrões Saint Anne", eles eram basicamente trancados do lado de fora do casarão e obrigados a andar pelos jardins até adquirir a quantidade aceitável de vitamina D.

E era exatamente naquele inferno astral que o menino se encontrava.

Os dois enfermeiros na porta de vidro que levava à enorme área externa da propriedade não pareciam prestes a ceder aos pedidos de Jordan para retornar à sala de jogos e acabar com a raça de Jane em mais uma partida de tranca; e sinceramente, Jordan estava com preguiça de comprar a briga. Por isso apenas estreitou os olhos escuros em prol de protegê-los do sol e se concentrou em seus passos lentos que o guiaram pelo enorme jardim — tentando ignorar a presença dos demais detentos barulhentos.

Ele havia uma infinidade de coisas para fazer ali, e isso era o que mais o irritava.

Poderia optar por caminhar entre o labirinto de flores, se aventurar pelas redondezas da quadra de tênis onde um casal de idosos jogava de maneira desastrosa, adentrar pela trilha do bosque — atividade que demandava acompanhamento do staff, então estava fora de questão — talvez passar pela pequena lagoa ou visitar a horta da instituição. Mas tudo soava ensolarado e divertido demais; e coisas ensolaradas e divertidas eram um grande potencializador de irritação.

Por isso ele apenas escolheu um lugar sobre os degraus do deque de madeira que separava a "varanda" da casa da grama fofa, sacando um dos livros que ele havia começado a ler, mas há tempos não o reconsultava: Maus. O amor do menino por histórias em quadrinho não era uma novidade, mas ele tinha apreço por aquele em especial. Algo na maneira em que os personagens eram retratados como animais em um cenário de segunda guerra mundial trazia um toque de ironia nem tão sutil que o garoto realmente apreciava.

E, bem. Não era um elemento que se encontrava com facilidade nas histórias modernas.

Se a leitura de Jordan tivesse sido interrompida por qualquer outra voz que não aquela, ele teria ficado muito puto.

E talvez ele nem tivesse olhado feio quando Faith se aproximou, mas o maldito sol em sua cara fazia com que ele obrigatoriamente tivesse uma expressão contante de Oscar the Grouch. Jordan não entendia exatamente a razão daquela pessoa ser a única — e única mesmo — que vestia verde naquele hospital que não o irritava, mas ele não estava também exatamente preocupado em descobrir. Sua maior preocupação era com o livro que, agora coberto pela sombra da médica, estava quase ilegível.

— Isso é extremamente rude. Eu estava no meio de algo aqui.

Falou, balançando o livro nas mãos, mas o fechando logo em seguida. Repentinamente ele não era mais tão interessante assim.

— Não se preocupe quanto as rugas. Não vou viver tempo o suficiente para envelhecer. — Deu de ombros, encarando a capa do livro de animais desenhados. Quando percebeu que talvez ela não fosse ver a verdadeira graça por trás da piada suicida, acrescentou. — Sério. Sra. Rosa me jurou de morte ontem e aquela mulher me assusta.

Um suspiro escapou dos lábios do rapaz quando ele colocou o livro ao lado, se dando conta de que não conseguiria dar continuidade à sua leitura. Seus olhos se voltaram para Faith, sua expressão se contorcendo em uma mistura de indignação e irritação quando ela citou os exercícios físicos, soando quase como uma piada.

Ele não tinha interesse em bem-estar. Ele queria "bem-estar-morto".

— Está realmente me ameaçando com rugas? Eu tenho cara de uma housewife na crise da meia idade? Merda, pensei que esse corte de cabelo me desse mais a cara de um surfista ou um membro de Baywatch. — Deu de ombros, apoiando as mãos sobre as pernas. — Sério. Tem que me ver com uma sunga vermelha.

Assoviou em um tom exagerado, soltando um suspiro e se colocando de pé — não antes de soltar um grunhido pelo esforço de se levantar.

É, galera. A idade chega.

— Bem, já que claramente não terei oportunidade de seguir com minha leitura após ser rudemente interrompido... — Deixou o restante da frase no ar, erguendo um dos braços dobrado para que a menina o pegasse, como em um cortejo antigo. — Me acompanha para um belo passeio pelos jardins, mademoiselle?

A ironia era clara, mas não tira a legitimidade do convite.

Talvez, se não fosse pelo sol forte que batia contra o rosto dos dois, Faith tivesse notado a expressão de desgosto que se formou no rosto de Jordan ao citar a fama da mãe. Uma risadinha amarga escapou dos seus lábios e ele balançou a cabeça em negação.

— Bom, então não devo me preocupar. Deve ter percebido que eu tenho bons genes.

Sorriu exageradamente, mostrando mais dentes do que deveria, antes de continuar o percurso com Faith ao seu lado. Tentou não se sentir ofendido ao fato de ela não lhe dar o braço, mas — ah! Ele era um lunático, então foda-se.

— A vida nunca segue os nossos planos, Faith. Você deveria saber disso. E os planos que não são feitos às vezes são os melhores... — Parou por um momento, fazendo uma careta. — ... Pera. Isso não faz sentido.

Jordan não sabia exatamente para onde estava indo. Seus pés apenas levavam os dois para algum local qualquer dentre os jardins, não se preocupando com o rumo daqueles passos. No entanto, o comentário seguinte de Faith o fez reprimir um sorriso, balançando a cabeça em negação.

— Está andando comigo e preocupada com Billie? Estou com um pouco de ciúmes, não vou negar.

Falou por fim, desejando — mesmo que por alguns momentos — que o braço de Faith estivesse entrelaçado com o seu.

Jordan havia passado muitas decepções com staff daquele hospital.

O suficiente para não querer confiar mais sequer um segundo do seu tempo com eles. No entanto, a expressão no rosto da menina naquele momento o fazia querer acreditar que algo de diferente acontecia ali. O brilho no olhar, tão inocente, que era legítimo demais para ser simulado. E ele gostava disso nela, no final das contas. No tom genuino que ela tinha, como se não vestisse alguma máscara que não fosse a sua real.

Ele até pensou em puxar algum assunto com a médica, mas o breve momento de caminhada dos dois foi bruscamente interrompido.

Um dos internos que andava acompanhado dos enfermeiros acabou os despistando, disparando em passos corridos pelo jardim — em direção aos dois. Jordan desviou. No entanto, o homem em torno dos seus cinquenta anos não parecia interessado nele. ele segurou o casaco de Faith, gritando frases sem sentido sobre o fim do mundo, esticando o material com tanta força que a fez cambalear para frente.

E, é claro, como um instinto, o rapaz se colocou entre os dois, empurrando o velho para trás. No entanto, ele estava tão agarrado ao suéter da mulher que Jordan teve que puxá-la para trás, partindo-a da vestimenta que tinha no corpo, deixando-a apenas com o uniforme verde, a segurando entre os braços.

— Alguém pode conter o lunático que escapou, por favor?

Gritou, vendo uma série de enfermeiros cercar o velho que corria com o suéter de Faith em mãos. Em estado de completa proteção — e sem sequer perceber — Jordan segurava Faith em seus braços, a abraçando quase como uma criança indefesa.

E quando finalmente a comoção se acalmou, ele a soltou. Coçou a nuca em tom um pouco sem jeito, desviando seus olhos para o corpo da mulher para se certificar que estava tudo bem.

— Faith, o que-

E então ele viu.

Em seus dois braços, em formatos claros de dedos, haviam diversos hematomas tomando a sua pele, finalmente sanando a pergunta silenciosa que ele se fazia continuamente para entender a razão de ela usar casacos de mangas, mesmo no calor.

Os olhos do rapaz se arregalaram levemente e ele encarou dos hematomas ao rosto da menina, vezes consecutivas. E quando finalmente teve espaço para dizer algo, conseguiu soltar:

— Eita...

Talvez uma outra pessoa tivesse mais tato, mas ele não. Apenas se afastou um pouco dela e fitou seus braços, a preocupação presente em seu rosto, mas quase totalmente mascarada pelo sarcasmo quando ele ergueu uma sobrancelha e finalmente conseguiu dizer.

— Problemas no paraíso?

A situação só piorou dali pra frente.

Jordan havia, sinceramente jogado verde em relação ao relacionamento de Faith com seu namorado há alguns dias, quando ambos estavam passando um tempo na sala de recreação com Billie. Mas agora, olhando para as marcas de dedos no braço da menina, e a vendo lamentavelmente tentar justificar de que aqueles eram hematomas por causa do "ponto de apoio" do ballet, apenas deixava clara a necessidade de Faith tentar, sem sucesso algum, mascarar alguma situação hostil em casa.

E, sinceramente, quem tem ponto de apoio no meio do braço?

Cotovelos, mãos, joelhos, ombros, ok. E olha que ombros jamais seria um ponto de apoio para bailarinas, uma vez que elas não tinham contato de corpo com o chão. Jordan havia tido muito contato com a dança por causa de Genevieve e sabia que os pés de Jenny eram um fiasco. Mas antebraços? Era "ponto de apoio" de agressão.

No entanto, ele não ousou dizer nada por um momento. Na verdade, o sarcasmo em seu rosto chegou a se quebrar um pouco, uma vez que não conseguiu evitar de se sentir familiarizado com aquele sentimento de impotência. E, por mais que odiasse admitir, se identificou com a dor de Faith. Parte da mente dele gritava que aquilo era tudo uma atuação, uma estratégia médica para tirá-lo de sua barreira; mas algo nos olhos da menina, naquele brilho inocente e assustado, quase impossível de forjar, dizia que Faith havia passado por muito mais do que ele poderia imaginar.

E isso, é claro, o intrigou.

— Certo. — Ergueu uma sobrancelha, prestes a confrontá-la pelo assunto mas, ao se deparar com aqueles olhos tão apavorados, perdeu a coragem. A ironia se quebrou no rosto de Jordan e ele parou por alguns momentos, piscando e a observando em silêncio. Ai, caralho. — Tá. Podemos parar de falar sobre Billie e Devon? Não quero preparar meu depoimento para a polícia ainda.

Retrucou em tom desinteressado, voltando a caminhar. Seus olhos se dirigiram a todos os lugares — às árvores, aos pássaros, até mesmo aos detentos — mas não à Faith.

— Você não precisa de um casaco para esconder essas marcas. Afinal, são só hematomas de dança. — Quase morreu ao falar isso, completamente descrente na própria mentira. Aquela ideia era ridícula. "Dança". — Por exemplo. Quando eu era pequeno, tinha sérios problemas para andar de bicicleta. Não sei exatamente a razão, mas eu só não conseguia. Acho que minha cabeça era grande demais e tombava para o lado sempre que eu tentava. Seja como for, eu sempre caía e destruía a minha perna. E ficava mega frustrado e começava a chorar. — Olhou de canto para a menina, abrindo um sorriso torto. — Acredite ou não, sou uma criança muito emotiva. — Voltou a olhar para frente, prendendo a respiração.

— Minha irmã, Jenny, um dia me pegou chorando e disse que eu não tinha que ver a dor daqueles machucados ou ser frustrado porque eles representavam algo que eu não conseguia fazer; que me trazia dor. Ela disse que era muito da hora, porque pareciam cicatrizes de guerra e que eu deveria usá-los por ser parte da minha história. — Estremeceu um pouco, sentindo um aperto estranho no peito quando citou Genevieve. Aquela era a primeira vez em quase um ano e meio que ele falava dela. E ainda doía pra cacete, mesmo nas memórias boas. Mas sua expressão era sólida como mármore. — Eu não liguei muito pra parada da história, mas achei que seria da hora ter cicatrizes de guerra.

Deu de ombros, voltando a abrir seu característico sorriso irônico. Ele ainda evitava olhar para a menina porque era um lixo com assuntos sentimentais, mas queria — de alguma maneira — poder ajudar. Outro sentimento que a recorrência era de histórias muito antigas.

— Enfim. Não cubra suas cicatrizes de guerra. — Sorriu de canto, falando a última parte em tom quase debochado. — As pessoas vão achar da hora saber que uma estudante de medicina tem tempo de fazer ballet.

Jordan pensou em fazer uma piada sobre ser mulherengo, mas talvez nem o sarcasmo fosse capaz de mascar algo tão ridiculamente mentiroso.

Seus olhos apenas acompanharam os movimentos de Faith conforme ela se virava de frente para ele e erguia os braços, seus passos se invertendo em uma caminhada de costas que ele tinha certeza que acabaria em desastre.

Mas não falou nada.

Apenas ergueu uma sobrancelha e entortou os lábios em um sorriso, sem exibir os dentes. Enfiou as mãos dentro dos bolsos da calça de algodão branco e suspirou, chutando uma pedrinha em leve irritação por estar sendo obrigado a passar tanto tempo fora do hospital. No entanto, quando pensou nos momentos anteriores, quando Faith veio lhe cumprimentar - ele não tinha certeza quanto tempo havia se passado.

Ele estava entretido o suficiente, observando a completa imbecil que andava de costas, e que agora tropeçava em uma pedrinha e sorria como uma criança.

O sorriso foi tão inocente e trouxe tantas memórias infantis para Jordan que ele sorriu também. Soltou uma risadinha baixa e balançou a cabeça em negação, exatamente como sua mãe faria quando ele fazia alguma macaquice. Mas é claro que era adulto agora e aquele tipo de comportamento não era mais bem-vindo. Mesmo que Faith parecesse não saber disso.

Mas, quer saber? Não era ele quem ia avisar.

- Eu não quero perder a ponta do nariz. - Reclamou, subindo brevemente a colina que, mesmo não sendo tão íngreme assim, o deixou ofegante. Claro sinal de que estava fora de forma. - Você está sempre ligada no 220? Eles têm cocaína na sala do staff? Pera. Eu não duvidaria disso.

Balançou a cabeça em negação, tomando o local apontado pela menina, debaixo da árvore. Se sentou sobre a grama macia, suas costas tomando o tronco como apoio. E agora ele pelo menos não precisava mais espremer os olhos pelo sol. Ao longe era possível ver a cidade de Nashville e a brisa que batia em seu rosto era levemente agradável. O sol ainda brilhava alto, mas se aproximava - pouco a pouco - do lado poente. E pela beleza do lugar, Jordan percebeu que nunca havia ido ali.

- Você fala muito, Faith. Credo.

Falou sinceramente, mas sem grosseria pretendida em seu tom. Apoiou a cabeça contra o tronco e fechou os olhos, concentrando sua atenção - brevemente - no som dos pássaros que cantavam à sua volta. Ele também conseguia ouvir o vento, mesmo que fraco. E o barulho que as folhas da árvore faziam ao se balançar eram quase mágicos.

Soltou um suspiro, se lembrando brevemente de Crystal Lake - uma pequena vizinhança em volta de um grande lago onde Jordan costumava ir com Genevieve e Annabelle. Herbert, o marido da sua mãe, fazia o melhor cachorro-quente que ele já havia comido em toda a sua vida e, pela semelhança do local onde se encontrava naquele momento, quase pode sentir o gosto em sua língua.

- Eu estava lendo Maus. - Respondeu, mesmo que muito tempo depois desde que ela perguntou. Quando abriu os olhos, suas írises se encontraram com as de Faith. - Por que você esconde de todos o fato de que o seu namorado bate em você?