[RP Fechada] Welcome to Saint Anne

Silêncio.

Era tudo o que Jordan queria, mas talvez aquilo fosse pedir demais. Seus dedos batiam lentamente contra o braço da poltrona conforme seus olhos escuros observavam Janet que parecia absorta nas cartas em suas mãos. A menina olhava para os números escondidos, depois para o rosto de Jordan e depois, novamente, para o jogo em sua mão.

Um sorriso de canto se formou no rosto do moreno.

Ele era bom demais naquilo e havia um ano - trezentos e sessenta e sete dias - que Janet tentava ganhar sequer uma vez. Geralmente os amigos conversavam e trocavam alguns insultos, mas não naquele momento: agora era um ponto de tensão. Se ela jogasse a carta errada, então Jordan ganharia. Se ela jogasse a certa, talvez tivesse mais algumas rodadas para contar a história.

Os olhos do rapaz seguiram o movimento das mãos da menina de cabelos ruivos conforme ela colocava um oito de paus sobre o bolo de cartas, olhando-o em apreensão. Os dois se encararam por um breve momento conforme Janet tentava ler a expressão de Jordan, seus olhos ganhando aos poucos um brilho de esperança. Mas ele não conseguiu se segurar e abriu um sorriso, fazendo com que a menina soltasse um grunhido irritado e xingasse quando ele abaixou suas cartas.

Uma risada gostosa escapou dos seus lábios.

- Filho da puta!

- Ninguém gosta de uma má perdedora, Janet. - Ele respondeu em tom divertido, juntando as cartas em suas mãos. - Isso me deixa cinco mil, oitocentos e noventa partidas na sua frente. Mas quem está contando.

- Quer saber? É por isso que ninguém gosta de você.

A menina respondeu em tom marrento, mas ele sabia que ela não dizia a verdade. Janet e Jordan eram grandes amigos desde que a menina havia sido internada ali, oito meses atrás, quando os pais dela decidiram que não conseguiam mais controlar a filha, encontrando o Saint Anne como melhor maneira de aprisioná-la. Janet era uma menina magrela e extremamente alta, mas dona de um espírito aventureiro e divertido.

Por isso era tão engraçado ver quando ela ficava revoltada ao perder.

- É a sua vez de embaralhar. - Ele avisou, jogando o bolo para que a amiga pegasse. - Temos tempo para mais uma antes de Georgie sair da terapia e nos encontrar para aquela partida de basquete que usarei para acabar com a sua raça.

- Muito engraçado, White! Se tem um jogo que está cinco mil à zero para mim, com certeza é o basquete.

- O que não conta, uma vez que você tem pernas de pau escondidas debaixo do seu uniforme.

- E o que você entende sobre pernas de mulheres?

Um sorriso irônico se formou no rosto da garota e Jordan apenas revirou os olhos. Enquanto Janet embaralhava as cartas, seu foco de vista mudou para a porta, onde encontrou um movimento atípico de dois enfermeiros, acompanhados por Dr. Phills. Jordan conhecia muito bem os rostos do homem da mulher que estavam conversando com o médico de meia idade, mas o que chamou sua atenção foram as feições desconhecidas de uma mulher que era introduzida para o casal de amigos.

Dr. Phills tinha uma das mãos no ombro da menina morena e parecia dizer algo para os enfermeiros que sorriram e lhe cumprimentaram. Jordan não precisava ser um grande gênio para saber que o uniforme que ela vestia e a maneira com que falavam com ela; que aquela era a mais nova membro do staff da Saint Anne.

- Se você olhar um pouco mais para ela, vai babar.

A atenção do menino se voltou para a ruiva que agora distribuía as cartas. Um sorriso divertido se formou em seu rosto.

- Ciúmes?

Janet revirou os olhos, simulando um sinal de vômito que fez Jordan dar risada. O garoto balançou a cabeça em negação, pegando as cartas e dando uma última olhada sobre o ombro para então falar:

- Vamos lá. Quero ganhar uma última vez para ver se consigo te fazer chorar.

Uma gargalhada gostosa escapou dos lábios do rapaz conforme ele revirava os olhos e abaixava uma nova carta, para a tristeza de Janet. A verdade - e que ele jamais diria para a garota - era que ele desejava que Billie estivesse presente para realmente oferecer um desafio ao seu jogo. Não que ele ansiasse pela presença da menina de olhos mortos, mas pelo menos ela representava uma ameaça real.

Em todos os sentidos.

A concentração do rapaz foi completamente retirada do jogo de cartas quando um grupo de pessoas se aproximou, todos vestidos em branco e uniformes tão conhecidos. Em qualquer outra situação, talvez Jordan teria os ignorado, mas a presença da nova menina o fez a observar - mesmo que brevemente - dos pés à cabeça, como uma espécie de scanner de alma.

Ele não a conhecia, mas era muito bom em julgar pelas aparências. E pela maneira com que a garota envolvia seu corpo com a echarpe, quase que como um abraço, demostrava um tremendo desconforto. Além disso, apesar dos seus olhos parecerem dóceis e sinceros, o sorriso em seu rosto parecia falhar por breves milissegundos quando ela se deparava com algo não esperava.

E isso aconteceu quando os olhos dela se encontraram aos negros do rapaz em pijamas psiquiátricos e cartas nas mãos.

- Você está encarando com tanta intensidade que acho que ela vai entrar em combustão.

Janet sussurrou, mas ele ignorou, descendo as três últimas cartas em suas mãos que indicavam o final do jogo. A menina de cabelos ruivos soltou um grunhido irritado e jogou seus papéis sobre a mesa, alarmando alguns dos detentos presentes que se assustaram com o gesto inesperado. Mas Jordan? Ele continuava encarando, mesmo que desconfortavelmente, a enfermeira.

Havia algo nela, algo estranho... Que fazia com que ela parecesse pura demais para aquele lugar.

- Jane, espere um minuto. Eu já volto.

Ele anunciou ao se colocar de pés e - inconscientemente - arrumar os cabelos com as mãos. Seus passos eram tranquilos e ele tinha as mãos nos bolsos, sequer disfarçando seu claro intuito de se dirigir à nova mulher. E quando finalmente os alcançou, nenhum membro do staff pareceu reclamar.

- Os burburinhos estão incomodando os detentos, eles acham que serão mandados para um campo de concentração. Talvez eu tenha espalhado esse boato. - Soltou uma risadinha irônica, dando de ombros. - Brincadeira. Foi Janet.

Aquilo era mentira e não importava se os enfermeiros soubessem; a piada era pronta. Jordan olhou sobre o ombro para a amiga que fazia um sinal "positivo" para ele e revirou os olhos. Não demorou para que ele soltasse um suspiro e voltasse a encarar o rosto novo diante de si.

- Eu não te conheço. E pelas roupas, claramente não é uma detenta. - Seus olhos se desviaram apenas para o rosto de uma das enfermeiras quando ela limpou a garganta. Um sorrisinho se formou nos lábios do rapaz. - Desculpe, interna.. - Piscou para a mulher, continuando o seu assunto com a desconhecida.

- Jordan, que ótimo que você tenha vindo até aqui para se apresentar. Essa é Faith, nossa mais nova funcionária da Saint Anne. Ela estará por perto de vocês pelas próximas semanas e observará de perto o seu caso.

O rosto do menino quase se contorceu em uma expressão amarga quando ele ouviu a palavra "caso". Seus olhos se voltaram aos azuis da menina e, por um momento, ele pode jurar que era capaz de devorá-la com a intensidade. No entanto, os cantos dos seus lábios apenas se dirigiram para cima, formando um sorriso levemente irônico, mas coberto de muitas outras emoções vagamente perceptíveis.

- Que divertido! Será um prazer introduzi-la aos meus distúrbios mentais, Faith.

- Opa, olha só, Bryce, seria uma grande ideia! - O rapaz abriu um sorriso ácido, se dirigindo ao enfermeiro ao lado da recém-chegada. - Eu viria vestido de homem aranha todos os dias. E Rosa? Ah, Sra. Rosa usaria o seu tutu favorito. Se bem que o tom neon poderia alarmar o Sr. Fredrick que sairia gritando "apocalipse" pelos jardins de novo... - Parou por um momento, abrindo um sorriso novamente para Faith. - Pensando bem, acho que faz mais sentido tirar todo o nosso kit identitário e nos transformar em números. - Olhou para Heather, a enfermeira ao lado de Faith. - É mais fácil.

- Alguém está especialmente ácido hoje.

- Alguém claramente não convive tanto assim comigo. - Ele respondeu rapidamente ao comentário engraçadinho de Bryce, lhe dando um olhar levemente irritado. - Animada?

Se virou para a menina de cabelos castanhos, sorrindo ironicamente mais uma vez.

Aquele era seu humor ácido costumeiro.

A atenção de Jordan voltou para a análise do rosto de Faith quando os médicos começaram a falar sobre outros membros do staff e a conversa ficou tediosa demais. Ele não havia ouvido sequer uma palavra, tentando entender a razão de uma menina tão bonita e aparentemente tão inocente ter decidido se enfiar em uma toca de loucos.

E, Deus. Ela seria devorada lá dentro.

Jordan já conseguia até mesmo notar os olhares de lado que Bryce dava para ela, provavelmente imaginando em quantas posições eles poderiam transar no vestuário do staff entre os seus turnos.

- Doutora Lindhaert? - Perguntou ao seu pego de surpresa, interrompendo seus pensamentos. - Claro. Alta, loira... Acho que ela é psiquiatra, né? Mentira, óbvio que ela é. Só tem gente obcecada por loucos aqui. - Deu uma piscadela para Faith, soltando uma risadinha baixa. Quando Bryce o olhou feio, ele lhe deu a mesma piscadela em tom flertante. - Ela é inteligente. Divertida. Peitos bonitos. - Parou, agora sendo observado em surpresa pelas quatro pessoas presentes na conversa. - O que? Fui indelicado? Perdão, provavelmente é o meu remédio. - Sorriu de canto, levando a mão sobre um dos lados da boca, mimicando de maneira caricata um sussurro para a menina de olhos azuis. - É a desculpa que sempre usamos aqui. Sempre funciona.

- Ok, eu sei o que você está tentando fazer, e não vai funcionar. - Dessa vez foi o médico mais velho que falou, encarando Jordan em tom de desaprovação. - Doutora Young está estudada sobre os seus distúrbios e está fazendo um estágio para acompanhá-lo de perto. Não há nada que possa fazer para intimidá-la.

- Uhh, que divertido! Estudo de caso!

Abriu um sorriso amargo, tentando não demonstrar o quanto estava irritado por ser parte dos estudos de mais alguém. Já era ruim o suficiente passar horas confinados em uma sala com Dra. Collins insistindo para que ele falasse sobre coisas inúteis - como sua mãe; e definitivamente não queria uma psiquiatra tentando entender com quais remédios deveria dopá-lo para conseguir segurar a sua língua.

E ela nem tinha visto a magia ainda. Caso contrário, não iria querer segurá-la.

- Eu nem perderia tempo com estudos médicos. Lobotomia. Essa sim é a saída.

Um berro pode ser ouvido do outro lado da sala quando a palavra "lobotomia" soou. Sra. Rose, uma das internas, saiu correndo desesperadamente, abanando seus braços no ar. Isso pareceu alarmar alguns dos presentes, mas não Jordan. Ele já estava acostumado com a lunática e seu horror aos filmes de ficção de tortura que ela havia assistido quando jovem, e que jurava ter acontecido com ela na vida real.

Por isso, ele apenas continuou observando Faith com um sorriso quase imperceptível no rosto.

- Por favor, diga que você concorda. Só me tire da minha miséria.

E então uma coisa muito bizarra aconteceu: diferentemente de todos os médicos e enfermeiros ali, diferentemente de todos os membros da staff que passaram pela vida do rapaz, Faith não pareceu ficar com raiva ou irritada com as coisas que ele havia feito ou dito.

Na verdade, o rosto da menina se abriu em um sorriso tão sincero que chegou a arrepiar o corpo de Jordan, suas respostas dadas com tanta classe e uma acidez tão sutil que ele chegou a querer sorrir.

Então talvez ela fosse bem mais forte do que ele pensava, principalmente porque ela havia conseguido esconder aquele fato até mesmo - bem... Dele.

- Não quer que eu durma bem de noite, Faith? Isso é maldoso até para você. - Respondeu em tom levemente divertido, seus olhos brilhando em intensidade conforme fitava os dela. E, mesmo com todo aquele contato visual, ela parecia conseguir manter bem sua expressão bondosa. - Vamos ter que pensar em alguns outros remédios naturais que possam me fazer dormir bem, então.

A dualidade em sua fala era clara. Seus olhos se voltaram para o dedo da menina que fazia um barulho metálico ao se chocar contra prancheta, erguendo uma sobrancelha quando se deparou com uma aliança encaixada ali.

Ele ficou decepcionado, mas jamais admitira isso.

Afinal, no que ele estava pensando? Claro, enfermeiros e detentos ficavam o tempo todo, mas Faith - Faith não parecia ser o tipo de pessoa que colocaria sua carreira em risco por um rosto bonito e levemente psicótico.

Poxa, isso seria muito menos divertido do que ele antecipou.

- O ponto é, Faith: isso aqui já é o inferno. Você pode fazer dele um pouco mais suportável.

Piscou, aproximando-se dela apenas o suficiente para alcançar uma maçã pousada sobre uma mesa atrás do seu corpo. Deu uma mordida na fruta, fazendo um "clack" que - assim como a palavra "lobotomia" - fez Sra. Rosa sair gritando. Mas, mais uma vez, ele ignorou.

- Foi um prazer, Faith. Iremos ver bastante o outro por aqui.

Falou em tom calmo, lhe dando as costas quando ela foi chamada pelo insuportável doutor de quem ele havia sequer se preocupado em guardar o nome.

De volta ao baralho. Aquele era o máximo de ação que teria por ali.